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domingo, 29 de janeiro de 2012

O milagre dos pequenos pedreiros

Durante a semana os pedreiros de Turim começaram a ver um espectáculo fora do vulgar: um padre de batina arregaçada subia os andaimes, entre baldes de cal e montes de tijolo. Era D. Bosco que, terminados os seus afazeres, andava pelas obras para se encontrar com os seus rapazes. Era uma festa para eles. Provenientes da província, tinham vindo parar a Turim em busca de trabalho como serventes de pedreiro, e muitas vezes eram explorados por patrões gananciosos e sem escrúpulos.
Mas ele não se limitava a falar com os rapazes no lugar de trabalho. Abordava também os patrões. Inteirava-se dos salários, do tempo de descanso, da possibilidade de guardar o domingo. Foi ele um dos primeiros na Itália a estabelecer contratos regulares de trabalho para os seus jovens aprendizes, e a bater-se pelo seu cumprimento.
Mas D. Bosco sozinho não podia chegar a tudo: todo o ser humano é limitado.
Um domingo de Julho de 1846, depois de um dia extenuante, passado a confessar, pregar, organizar jogos para os seus quinhentos garotos, enquanto se dirigia para o quarto, desmaiou.
Levaram-no em braços para a cama. Tinha sido atingido por uma grave pleurisia com expectoração de sangue. Durante a noite a febre subiu assustadoramente.
Pelos andaimes dos pequenos pedreiros, pelas oficinas dos jovens mecânicos, a notícia espalhou-se rápida como um relâmpago: “D. Bosco está a morrer”.
Naquela noite, ao quarto onde D. Bosco agonizava, iam chegando grupos de rapazes apavorados. Tinham ainda a roupa suja do trabalho, o rosto branco da cal. Nem tempo tinham tido de jantar para correr até lá. Choravam, rezavam:
— Senhor, não o deixes morrer!
Oito dias esteve D. Bosco entre a vida e a morte. Houve rapazes que, naqueles oito dias, trabalhando sob um sol escaldante, não provaram uma gota de água para arrancar do Senhor a sua cura. No Santuário da Consolata os pequenos serventes de pedreiros revezavam-se na oração: dia e noite havia sempre algum de joelhos diante de Nossa Senhora.
Às vezes o sono era tanto que os olhos se fechavam (depois de 12 horas de trabalho), mas não desistiam, pois D. Bosco não podia morrer. E a graça chegou, arrancada ao céu por aqueles miúdos que não se resignavam a ficar sem pai.
Uma tarde de domingo, pelos fins de Julho, apoiado a uma bengala, D. Bosco aparece no Oratório.
Os seus rapazes voam ao seu encontro. Os mais velhos obrigam-no a sentar-se num cadeirão, levantam-no aos ombros, e levam-no em triunfo até ao pátio. Todos cantam e choram de alegria, incluindo o próprio D. Bosco.
Entram na capela e agradecem ao Senhor. No silêncio absoluto que se fez, D. Bosco disse a todo o custo estas palavras:
— A minha vida é a vós que a devo. Mas podeis ter a certeza de que, de hoje em diante, toda ela será gasta em benefício vosso.
Naqueles dias de calor asfixiante, D. Bosco foi passar alguns meses de convalescença à terra natal. Prometeu que a demora não seria longa: até ao cair da folha.
Uma mãe para 500 rapazes
Era o dia 3 de Novembro de 1846. As folhas caíam com o vento do Outono, e D. Bosco regressou a Turim. Desta vez não vem sozinho: acompanha-o Margarida sua mãe, que tinha concordado em acompanhá-lo para se tornar a mãe de todos aqueles rapazes.
Os dois peregrinos fizeram a longa caminhada a pé. Margarida trazia no braço uma canastra, com todos os seus haveres: alguma roupa branca e um pouco de comida.
Já perto do Oratório um sacerdote amigo de D. Bosco reconhece-o, dá-lhe as boas-vindas e quer saber notícias:
— Então como é que vai a saúde?
— Sinto-me bem, obrigado.
— Onde é que ficas a viver?
— Aqui, na casa Pinardi. Aluguei lá três divisões. Como vês, trouxe comigo a minha mãe.
— Com que meios contas?
— Ainda não sei. Mas a Providência lá está.
— És sempre o mesmo — murmurou o outro abanando a cabeça —. Depois tirou o relógio do bolso e entregou-lho dizendo:
— Gostaria de ter mais recursos para poder ajudar-te.
Margarida foi a primeira a entrar na nova casa: três quartinhos nus e tristes com os respectivos leitos, duas cadeiras e alguns tachos. Esforçou-se por sorrir e disse a D. Bosco:
— Na nossa terra, andava numa roda viva para ter tudo em ordem, limpar os móveis e lavar a louça. Aqui terei menos preocupações…
Ambos, de sorriso nos lábios, meteram mãos à obra.
D. Bosco pôs na parede um crucifixo e um pequeno quadro de Nossa Senhora. Margarida preparou as camas e depois mãe e filho começaram a cantar. A canção dizia assim:
“Guai al mondo — se ci sente,
Forestieri — senza niente”

(Ai se o mundo nos descobre,
Forasteiros, mãos vazias…)
Um dos rapazes, Estêvão Castagno, ouviu-os, e a notícia correu veloz de boca em boca entre todos os rapazes de Valdocco:
— D. Bosco já voltou…
“Sou órfão. Venho de Valsesia”
Agora que tinha a mãe consigo, D. Bosco pensa poder fazer alguma coisa mais pelos seus rapazes. Alguns, à noite, não tinham onde dormir. Ficavam em qualquer canto ou nos miseráveis dormitórios públicos.
Pensou em recolher em casa os mais abandonados.
A primeira experiência saiu-lhe mal. Tinha posto alguns a dormir no palheiro. De manhã, nem um só para amostra: tinham fugido todos levando consigo as mantas que Margarida lhes tinha emprestado. Mas não desanimou.
Uma tarde de Maio. Chove a cântaros. D. Bosco e a mãe tinham acabado de jantar, quando alguém bate à porta. É um rapaz dos seus 15 anos, todo molhado e enregelado.
— Sou órfão. Venho de Valsesia. Sou servente de pedreiro, mas ainda não encontrei trabalho. Tenho frio e não sei para onde ir…
— Entra — disse-lhe D. Bosco —. Vai para a lareira, pois ensopado como estás pode ser perigoso.
Margarida prepara-lhe qualquer coisa para comer. Depois pergunta-lhe:
— E agora, para onde vais?
O rapaz fica pensativo. Depois, de lágrimas nos olhos:
— Não sei. Tinha três liras quando cheguei a Turim, mas já as gastei todas. Por favor, não me mande embora.
Margarida pensa nas mantas que ti¬nham voado:
— Poderias ficar, mas quem nos garante que não foges com as panelas?
— Não senhora. Sou pobre, mas nunca roubei.
D. Bosco acabara de sair debaixo da chuva. Pouco depois entra comuns tijolos, faz com eles quatro suportes sobre os quais coloca umas tábuas. Depois vai à sua própria cama. Tira o colchão e estende-o sobre as tábuas.
— Ficas a dormir aqui, meu caro. E ficarás enquanto for preciso. Ninguém te mandará embora.
É o primeiro órfão que entra na casa de D. Bosco. No fim do ano são sete. Mais tarde serão milhares.
Um dia D. Bosco entra numa barbearia. Aproxima-se um pequeno aprendiz para lhe ensaboar a cara.
— Como te chamas? Quantos anos tens?
— Carlitos. Tenho 11 anos.
— Muito bem, Carlitos, vê lá se fazes esse trabalho bem feito. E teu pai?
— Morreu. Só tenho mãe.
— Pobre menino, sinto muito.
O rapazito tinha acabado de lhe ensaboar a cara.
— Agora, coragem, pega na navalha como se deve e faz-me a barba. Acode o patrão, alarmado:
— Desculpe, reverendo! O miúdo ainda não é capaz. O trabalho dele é só passar o sabão.
— Mas alguma vez há-de ser a primeira, não é verdade? Por isso pode começar comigo. Força, Carlitos.
Carlitos fez aquela barba tremendo como uma folha. Quando a navalha se movia em volta do queixo, suava em bica. Lanho aqui, lanho ali, conseguiu chegar ao fim.
— Parabéns Carlitos! — Sorriu D. Bosco —. Agora que já somos amigos, tinha muito gosto em que fosses visitar-me de vez em quando.
Um dia de Verão, D. Bosco dá com ele a chorar ao pé da barbearia:
— Que te aconteceu?
— Morreu a minha mãe, e o patrão despediu-me. E não sei para onde ir.
— Vem comigo. Sou pobre, mas ainda que só tenha um pedaço de pão, reparto-o contigo.
Margarida preparou mais uma cama. Carlitos Gastini ficou mais de cinquenta anos com D. Bosco. Alegre, cheio de vida, tornou-se o animador brilhante de todas as festas. Fazia rir toda a gente. Mas quando falava de D. Bosco, chorava como uma criança. “Era tão meu amigo!” exclamava comovido.
Viva Dom Bosco! Sempre Conosco!

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